Lobby marca debate para flexibilizar estatuto do desarmamento

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Quase metade dos parlamentares que votarão amanhã o projeto que flexibiliza o Estatuto do Desarmamento, com redução das exigências para a compra de armas de fogo, receberam doações de campanha de fabricantes de armas e munições ou de empresas ligadas ao setor de vigilância privada. Nas eleições do ano passado, 11 dos 26 integrantes da comissão especial da Câmara dos Deputados que discute o novo estatuto receberam repasses de empresas que têm interesse direto no setor. Entre eles está o presidente do colegiado, deputado Marcos Montes (PSD-MG), que recebeu em 2014 contribuições da Forja Taurus e da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC). Foram R$ 15 mil de cada uma. Especialistas alertam que a nova lei pode aumentar o número de homicídios e latrocínios no país.

Mas o lobby em cima dos parlamentares que integram a chamada “bancada da bala” vai além dos integrantes da comissão. Levantamento feito pelo Estado de Minas na prestação de contas das eleições de 2014 divulgada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que as empresas ligadas ao setor de comércio e fabricação de armas e de segurança particular e patrimonial injetaram na campanha eleitoral R$ 8,5 milhões em doações para mais de 40 deputados federais e comitês partidários. As maiores patrocinadoras foram exatamente as fabricantes de armas e munições Taurus e CBC, que doaram R$ 1,8 milhão.

Renomeado como Estatuto de Controle de Armas de Fogo, o projeto que será votado amanhã traz pontos no mínimo polêmicos, como a redução de 25 para 21 anos da idade mínima para a compra de armas no país e a gratuidade de taxas na compra da primeira arma para proprietários e trabalhadores rurais e pessoas que se declararem pobres. O texto, que flexibiliza o estatuto criado há 12 anos, substituiu o certificado atual para uso de armas por uma licença permanente, que não seria preciso ser renovada de forma periódica (veja quadro).

Na última reunião da comissão, na quarta-feira passada, os deputados favoráveis `as mudanças no estatuto aprovaram, por 16 votos a 11, requerimento do deputado Delegado Éder Mauro (PSD-PA) para encerrar a discussão da matéria. Dessa forma, o texto ficou pronto para ser votado nesta semana. Segundo Marcos Montes, presidente da comissão, a intenção não é “banalizar as armas”, mas “flexibilizar o acesso” e reduzir as burocracias da legislação atual.

DEMANDA RURALISTA Montes afirma ser contra algumas regras do projeto final que será votado, como a liberação do porte para deputados e senadores, mas defende que o país precisa de regras mais claras para o comércio de armas. “Sou contra alguns itens. Parlamentares são cidadãos comuns e devem cumprir as mesmas regras de toda a população para ter acesso às armas. Mas é preciso alterar o Estatuto. No campo, o produtor rural não pode ficar desarmado. A verdade é que, principalmente nas zonas rurais, o poder público não garante proteção. Ninguém quer fazer justiça com as próprias mãos, mas as pessoas devem ter o direito de se defender e proteger sua família”, explica Marcos Montes, que também é presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária.

Questionado sobre o patrocínio de empresas ligadas ao setor para quase metade da comissão, o parlamentar avalia que o lobby de empresas no Congresso é “comum e legal”, mas que a comissão não tem capacidade de aprovar a lei em definitivo e caberá ao plenário decidir sobre o novo Estatuto. “Na comissão será apenas uma prévia, mas, no plenário, serão 513 votos. Será que todos estão influenciados por esse suposto lobby? Isso é uma bobagem. O lobby das indústrias de bebidas, de comunicação ou do agronegócio é muito maior. Os repasses das empresas de seguranças são pequenos. Na realidade, a reivindicação por mudanças no Estatuto parte da população: 93% das pessoas são favoráveis a essa flexibilização”, afirma Montes.

Alerta para um “faroeste brasileiro”

Especialistas na área de criminalidade e segurança pública ouvidos pelo Estado de Minas são contrários às propostas que facilitam o acesso às armas de fogo. Para o coordenador-geral do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da UFMG, Cláudio Beato Filho, a situação da violência no país deveria motivar o Congresso a aumentar o rigor para o comércio de arma. “Pesquisas feitas no Brasil inteiro apontam que quem tem arma tem duas vezes mais chance de ser vítima. Ter arma expõe mais a pessoa. Infelizmente, na comissão, grande parte dos deputados defende as bandeiras da indústria das armas e já tem opinião definida sobre o tema. Espero que no plenário as mudanças sejam derrubadas”, opinou Beato.

O sociólogo critica a forma como o desarmamento foi discutido na Câmara, sem uma avaliação mais técnica por parte dos parlamentares. “O tema está sendo discutido na base do medo e do terrorismo. O argumento é que o Estado não tem condição de proteger as pessoas e que, por isso, elas devem se armar. Quando apresentamos pesquisas concretas, os parlamentares simplesmente ignoram. As mudanças que estão sendo feitas pela comissão representam um enorme equívoco”, alerta Beato.

Para o ex-secretário-adjunto de Defesa Social de Minas Gerais Luiz Flávio Sapori, a aprovação do novo Estatuto seria como “jogar gasolina na fogueira”, uma vez que a cultura brasileira é marcada pela violência. “O relatório final da comissão representa um grande retrocesso. É uma medida temerária, que tende a aumentar ainda mais a incidência de homicídios e latrocínios no país. Nossa cultura é extremamente violenta e podemos passar a ver conflitos menores serem resolvidos com mortes banais. Representa a instauração de um ‘faroeste brasileiro’”, critica Sapori.

O relator do projeto, deputado Laudívio Carvalho (PMDB-MG), rebate as críticas dos sociólogos e defende que a discussão sobre o desarmamento se arrasta no Congresso há três anos. “O povo brasileiro cobra essa definição. Só me debruçaria em cima de pesquisas se elas fossem oficiais. Na votação do referendo do desarmamento, vários especialistas fizeram análises que não ocorreram. Não posso trabalhar com especulações. Fizemos 27 audiências e ouvimos ponderações de todos os lados”, afirma Laudívio.

Fonte: EM