Ao focar em acusações, imprensa exerce poder punitivo do Estado, diz Nilo Batista

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O interesse pelo crime não é novo, mas, pelo processo, parece ser recente. O advogado e professor de Direito Penal Nilo Batista, ex-governador do Rio de Janeiro, conta que até a Idade Média, o “espetáculo” era a execução da pena: degolamentos, castrações, amputações, chibatadas, entre outros castigos físicos e humilhações públicas. Já no capitalismo moderno, como a pena passou a ser a reclusão, que é sempre igual, longe dos olhos do povo e diluída em vários dias, o interesse “migrou” para o processo de formação de culpa.

Esse interesse fica claro quando contabilizamos que um terço das manchetes dos três maiores jornais do país na última semana (Folha de S.PauloO GloboO Estado de S. Paulo) foram sobre processos judiciais (envolvendo políticos). De busca e apreensão na casa do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ao julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre o rito deimpeachment da presidente Dilma Rousseff. O que pode ser visto como uma maior transparência do Judiciário, também traz a preocupação de os processos estarem se desenvolvendo pela imprensa, em vez de nos tribunais.

Já que o processo passou a se desenvolver na imprensa, ele precisa ter garantias nela, diz criminalista Nilo Batista.
Reprodução

Estudioso do assunto, Nilo Batista vê claramente um problema: “Como há casos em que todo o processo se desenvolve pela mídia, era preciso exigir as mesmas garantias do Judiciário: observância do contraditório e direito à ampla defesa”.

O exemplo mais gritante do problema apontado são os programas policiais exibidos de tarde em canais abertos de TV. Não é raro que suspeitos e indiciados sejam exibidos para as câmeras dentro de delegacias e achincalhados pelos apresentadores dos programas. “Está no inciso XLIX do artigo 5º da Constituição que é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral, mas acho que nenhum membro do Ministério Público liga a TV à tarde, já que eu nunca vi irem contra isso.”

Ele explica a disparidade entre o tratamento dado pela imprensa e o dado pela Justiça: “Quando vão interrogar um acusado na delegacia, são obrigados a explicar que ele tem direito a um advogado e que ele pode permanecer em silêncio. Já em frente às câmeras, o repórter coloca um microfone na frente daquela pessoa sem qualquer explicação, de forma que ela pode dizer ali uma frase que a comprometerá pelo resto da vida”.

O princípio da publicidade do processo não pode se confundir com o “direito à abelhudice”, diz o criminalista. A publicidade, explica, é um direito do acusado, não do público em geral. Serviu para combater os processos fraudulentos, intermináveis e sigilosos, onde o réu não consegue se defender por não conhecer bem a acusação.

Ao divulgar acusações com mais peso do que as defesas e formar a convicção da população contra os réus, a própria imprensa está exercendo um poder punitivo, segundo Nilo Batista, que, a princípio, é um poder do Estado. “Mas ninguém votou na mídia. Esse poder não foi concedido a ela pela população”, reclama.

Um dos resultados desse apreço pela acusação é o aumento do apelo por punições mais duras. Crítico da criminalização como solução, Batista alerta: “A história mostra que o fascismo avança pelo sistema penal e por ele se implanta”.

 

Fonte: ConJur